sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Revolução e Mudança




Em Ortodoxia, existe uma alusão de G. K. Chesterton que nunca foi realçada pelos seus
leitores. Stanley L. Jaki foi o primeiro a entender o seu alcance. Nela, Chesterton resume o seu pensamento e revela toda a sua natureza de filósofo não profissional. Diz ele, no final do capítulo “O Suicídio do Pensamento”, que essa passagem resume todo o conteúdo do livro, uma espécie de revisão sobre o pensamento moderno:


“Os homens tentaram transformar o verbo revolucionar de transitivo para intransitivo.”



É possível que o alcance de tal afirmação seja mais imediatamente perceptível para um professor de língua portuguesa do que para um filósofo, o que só abona a favor da formação do seu autor.
Chesterton dizia que existiam dois grandes princípios para uma filosofia (ou pensamento) sã:


1 – A realidade extravasa os cubículos da lógica e das sequências lógicas.


2 – A marca da realidade é a sua especificidade, quer na singularidade de cada coisa, quer na sua racionalidade apreensível pela ciência. É aquilo a que ele chamou “a estranheza das coisas”, cada coisa é nova, não é uma mera repetição, é única.




O facto da existência de tal especificidade e racionalidade aponta para uma escolha racional e para um Criador.
Esta concepção é antagónica com a concepção de um universo meramente mecanicista, que implica a destruição, não de Deus, mas do homem como entidade metafísica. Um universo vasto reduz a condição do homem à insignificância; uma ontologia mecanicista abole a hipótese de escolha e nega a liberdade do homem e a novidade no universo.


Concluindo: uma lógica não assente apenas em ideias como ponto de partida, mas sim em percepções dos sentidos, define o realismo filosófico; as noções de novidade, de liberdade e de livre-arbítrio definem o realismo metafísico. Chesterton era, por conseguinte, ambos.





Uma lógica apenas assente em ideias é particular e individual, conduz ao solipsismo e ao pessimismo – é o idealismo. Uma ontologia mecanicista nega ao homem a sua liberdade, o livre-arbítrio, a sua dimensão espiritual e ontológica. O seu produto é um liberalismo psicológico ou subjectivista, em que a liberalização não conhece limites.


Pelo contrário, o realismo conduz a um liberalismo que assenta a sua primeira ideia objectivamente na dignidade do homem, como expressa no cristianismo e plasmada na Carta Constitucional Americana. É a diferença entre uma revolução, ou mudança, que nunca submete a liberdade humana (dentro do compromisso ou regra) – Chesterton chamou-lhe limites ou ética dos contos de fadas - e uma mudança cuja principal qualidade é ser mudança. Esta última subentende preferir a busca (pela verdade) à própria verdade, como afirmava Berenson; nega a existência da verdade objectiva. Nesse sentido, revolucionar em sentido intransitivo implica um desprezo pelas coisas que mudam e um desdém sobre o que permanece imutável nessa mudança, ignorando ostensivamente se a mudança realmente significa um progresso, i.e., valor acrescentado. É a mudança pela mudança.




 

A marca de Aristóteles, “o mais sábio de todos os homens”, campeão da mudança na continuidade, encontra-se presente no pensamento de Chesterton. Para Aristóteles, as ditaduras seriam resultantes de processos lógicos ancorados em ideias – idealismos, ideologias ou solipsismos – e seriam apenas derrubadas pela realidade externa (crise económica, cataclismos naturais, guerra).



Admitindo uma realidade externa racional que pode ser lida pela mente, a tentação de entender a realidade externa como produto da mente é uma ameaça real – é a diferença entre reflexão e imaginação. Dito por outras palavras, embora a matemática seja pré-existente ao próprio universo e sua condição necessária, se não existissem coisas reais, não existiria universo. É o realismo que, ao ancorar nas percepções dos sentidos e admitir a realidade como externa, embora articulando-se por relações e leis racionais, nos protege deste erro tremendo do idealismo alemão.



Um exemplo de atracção pela mudança, pela moda, como sublinhado por Paul Kleinman em All You Need To Know About Philosophy, é representado pelo relativismo moral. De acordo com os seus seguidores, o facto do que é certo e errado depender de cada cultura, aliado ao facto de que não existem culturas superiores, impede um julgamento moral. Bem e mal não seriam valores absolutos, mas relativos.

A resposta a um comportamento x não seria o julgamento (aprovação/condenação), mas sim a tolerância.

Contudo, a tolerância implica a intolerância, i.e., a atitude daqueles "radicais" que insistem em fazer um julgamento à luz de valores morais absolutos, de princípios morais. Esses "intolerantes" são diabolizados, o que implica um julgamento de bem e mal. O relativismo moral é antinomínico, i.e., implica uma contradição lógica. É uma forma de suicídio do pensamento.



Uma lógica ancorada numa realidade objectiva nunca enaltecerá a mudança pela mudança, um progresso sem ética, revolucionar como verbo intransitivo.




António Campos


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