quinta-feira, 6 de agosto de 2015

A Silly Season e o Imperativo Categórico



Há muito que no hemisfério norte se convencionou chamar a esta parte do ano a silly season. A
actividade política reduz-se e as notícias escasseiam, tornando-se as trivialidades notícias. As praias enchem-se do casamento do ano e as redes sociais enchem-se de indignação pela ostentação. Apercebemo-nos que mais um político foi preso ou que um grande banqueiro que não tem património está preso num palacete de vários milhões de euros. O actor que passou as férias em Phuket no verão passado com a sua mais que tudo, agora odeia-a mais que nada e, como cereja no topo do bolo, mais um português se distingue por ser CEO de um dos maiores bancos do mundo. Aparentemente também ele surpreendido, pois desabafou com o jornal kitsch que se não fosse gay não tinha sido escolhido. Realmente, a inteligência anda muito alegre nos dias que correm e há atributos que dão cabo da concorrência…


Pela minha parte, enrolei-me na onda do imperativo categórico, uma espécie de frivolidade. Aqui, http://sofos.wikidot.com/imperativo-categorico, afirma-se (bem) que o imperativo categórico é a lei geral a priori à qual se devem submeter todas as acções (a máxima da acção) para sabermos se se tornam ou não acções morais. 
Isto quer dizer que apenas o imperativo categórico é conhecimento (para Kant o verdadeiro conhecimento é a priori, i.e., está inscrito em todas as mentes humanas). Portanto, o imperativo categórico é o dispositivo ou esquema pelo qual têm que passar as normas de conduta para serem consideradas morais ou não para cada ser racional livre.

É de crer que o sublinhado, em “a universalidade de uma lei em geral”, deveria ter incluído toda a frase para não dar a ideia de que as normas de conduta que “passam o crivo” do imperativo categórico se tornam universais. Não! Apenas o imperativo categórico está em todas as mentes humanas a priori e apenas ele é universal.

O que é universal é a forma, o princípio transformador, digamos assim. De um lado entra a máxima da acção, atravessa o imperativo categórico e sai ou não como norma moral. Mas quando sai como norma moral, sai apenas na mente do homem que fez tal operação, porque cada homem é um legislador uma vez que se encontra no mundo numénico. O imperativo categórico é válido para todos os homens, mas o conteúdo moral não. Ele apenas resulta da operação de cada homem que aceita submeter-se a essa norma de acção e a crê útil e válida para todos os homens. Por isso Kant recusa uma ética de conteúdos universal, como os Dez Mandamentos. O conteúdo resulta de empirismo e não é a priori. Trata-se, portanto, de um relativismo moral.


Mas existe uma outra definição, infeliz, que resulta aviltante para o próprio Kant, uma vez que não faz nenhuma distinção entre a moral kantiana e a moral cristã. Encontra-se aqui : http://www.oocities.org/~esabio/transgenicos/imperativo_categorico.htm

Aqui o autor confunde a forma com o conteúdo, confunde o princípio transformador com o transformado, confunde o imperativo categórico com cada uma das leis morais que resultam em cada uma das mentes humanas. O autor chega naturalmente a uma ética de conteúdos; troca os dez mandamentos por milhões deles e não consegue distinguir a diferença entre a moral de Kant e a moral cristã! Baralha o que é a priori com a acção concreta. Afirma que Kant pretende combater o relativismo moral (!) e o utilitarismo, que com o livro de Jeremy Bentham, An Introduction to the Principles of Morals and Legislation, só apareceria em 1789, ou seja, dez anos após a publicação de A Crítica da Razão Prática.


“Sugere Kant que a forma de um imperativo categórico é que o indivíduo deve agir apenas de acordo com uma máxima que se possa simultaneamente querer como lei universal, i.e., o princípio racional que deve governar a vontade. Isto, deve sublinhar-se, não é uma máxima, ou princípio de ação em si, mas apenas estabelece a forma que tais máximas devem assumir. Daí que a pessoa que argumenta que é correcto romper as suas promessas se quiser, estabelece como lei universal de acção que quebrar promessas é aceitável. Se houvesse essa lei universal, e se fosse seguida, é provável que a instituição da promessa deixasse de existir por causa da sua vacuidade. Não é claro, contudo, que o homem que isso quer, tenha cometido algo parecido com uma contradição. Isto significa que a força da razão prática permanece obscura e a discussão sobre ela e a sua utilidade tem continuado desde então.”1
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Enfim…encantos da silly season. Dentro em pouco começará a hard season mas quanto às notícias…dificilmente perderão a sua silliness.





António Campos



1 David Walter Hamlyn, Uma História da Filosofia Ocidental, Jorge Zahar Editor, 1990. http://www2.uefs.br/filosofia-bv/pdfs/hamlyn.pdf


“O indivíduo deve agir sempre de tal maneira a tratar todos os seres racionais, seja em si mesmo ou em outrem, como um fim e nunca como um meio – porquanto a natureza racional existe como um fim em si mesmo. Define vontade de todos os seres racionais como uma vontade universalmente legislativa, ideia esta que expressa também em termos na noção de autonomia da vontade.
Um ser racional pertence, como membro, ao reino dos fins quando prescreve nele leis universais através da autonomia da vontade. Mas está também sujeito a tais leis e é em tal qualidade de membro que o ser moral individual deve determinar os princípios de acordo com os quais agirá. Kant alega que essas três versões do imperativo categórico equivalem à mesma coisa, proporcionando, por seu turno, a forma, a matéria e caracterização completa de todas as máximas, de acordo com as categorias de unidade, pluralidade e totalidade. Poucos conseguiram entender como essas três versões poderiam ser realmente interpretadas como três versões da mesma coisa, e o apelo às categorias em nada ajuda.
Mesmo que, como pode parecer plausível, as três versões do imperativo categórico sumariem uma concepção de moralidade, que pode realmente ser abstraída de uma consciência moral comum, parece definitivamente mais débil a sua alegação de ter fornecido uma base metafísica a essa concepção de moralidade.

No caso dos princípios do Crítica da Razão Pura, supunha-se que sua objectividade fosse demonstrada pelo facto deles se revelarem como condições de experiência possível. É menos do que claro que acção correspondente seja possível para os imperativos da razão prática. Kant parece, em vez disso, ter suposto que demonstrar que tais princípios são exigências da razão em geral é suficiente para lhes demonstrar a objectividade – o que quer que isso signifique neste contexto.

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