sábado, 27 de setembro de 2014

HEGEL Para Principiantes - Introdução





Falar de Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770 – 1831), o filósofo mais marcante do
chamado idealismo lógico ou idealismo alemão, é como penetrar no labirinto de Dédalos. O universo de Hegel é fascinante, não pela sua clareza mas pela sua obscuridade, não pela sua falta de coerência mas pela sua lógica, não pelo seu raciocínio divergente antes pelo convergente, não pela sua ancoragem no concreto mas antes pela sua filiação no abstracto. É uma espécie de mundo onírico lógico onde o mal se concilia com o bem e a guerra e a destruição são um renascimento. O mundo de Hegel possui o encanto da esquizofrenia, com os seus neologismos, as suas ideias delirantes, a sua lógica precisa, a sua desvinculação afectiva. E, no entanto, a sua abordagem conduz-nos a uma nova praia, onde é possível conhecer uma areia fina e ser banhado por um sol triste e prateado. Abordamo-lo porque acreditamos que, embora Chesterton provavelmente possuísse dele apenas um conhecimento residual, a estrutura do pensamento de Hegel é muitíssimo importante para se alcançar tão longe e tão fundo quanto possível a vastidão do pensamento de G K Chesterton. Não é por acaso que dois dos mais profundos analistas do pensamento de Chesterton, Slavoj Zizek e Quentin Lauer, um ateu e um católico, são especialistas em Hegel. O objectivo é analisar o pensamento de Chesterton em face do pensamento de Hegel, num processo a que Hegel chamou, “a consciência de si”.

Hegel é um filósofo obscuro, quase imperscrutável, ambíguo, inteligente, arrogante e orgulhoso, seco e ríspido, que pretende captar a atenção dos seus estudiosos, segundo o princípio da selecção intelectual, uma vez que parte da sua Fenomenologia do Espírito mais parece um criptograma, como se a História se reordenasse num aglomerado fantástico, num escárnio sarcástico e paradoxal, criando símbolos e realidades ocultos ao mundo e acessíveis apenas a uma elite de cognoscentes, i.e., aqueles que querem (e conseguem) conhecer. Uma parte desta atitude reside no facto de Hegel ser um crítico da filosofia clara e distinta, uma vez que considerava o negativo tão constitutivo da ontologia como o positivo e, portanto, a clareza conduziria tanto ao conhecimento quanto à tortuosidade e ao artifício. É pelo menos uma posição estranha para um homem que considerava que algo que fosse incomunicável não é conhecimento.

Um exemplo da Fenomenologia do Espírito: “Ele é apenas a alternância incessante daqueles momentos, um dos quais, na verdade, é o próprio ser-retornado-a-si-mesmo, mas só como ser-para-si, isto é, como um momento abstracto, que aparece de um lado, em contraste com os outros momentos.” É frequente encontrar comentários à sua escrita, como “terminologia repulsiva”, “extrema obscuridade”, “linguagem abstracta e indecifrável”, “uma crucificação intelectual”. Ficou famosa a afirmação dos seus compatriotas, quando saíram as primeiras traduções, de que o iriam ler em francês para ver se se tornava mais inteligível. Hegel partilha com Schelling e com Kirkegaard (que foi aluno de Schelling) a convicção de que a filosofia só deve estar ao alcance daqueles preparados que fazem esforço por a alcançar, i.e., uma elite. Como diria Kirkegaard: “A tarefa da descoberta do significado das obras é pois deixada ao leitor, porque a tarefa deve ser tornada difícil, visto que apenas a dificuldade inspira os nobres de espírito”.

Eis o relato de um seu aluno, F. Klüger: “No início eu não me conseguia concentrar, quer devido ao seu modo de falar, quer à forma como desenvolvia o seu raciocínio. Exausto e taciturno, ele sentava-se como se se tivesse desintegrado interiormente. A cabeça inclinava-se para baixo, os seus olhos não nos fitavam; em vez disso, percorriam as páginas dos seus cadernos de apontamentos, de trás para a frente e da frente para trás, num suceder caótico. Tossia e pigarreava, enquanto falava, o que interrompia a fluência do discurso. Cada frase saía com dificuldade, entrecortada e confusa. A eloquência que flui suavemente pressupõe que o orador se sente confiante e confortável com o assunto, mas este homem desenterrava os seus mais poderosos pensamentos do solo mais profundo e com notória dificuldade.”

 
 

A VIAGEM

Estudar Hegel é uma oportunidade única de fazer uma viagem a um mundo fantástico, subir para o dorso de uma águia negra e poderosa, de uma asa só, um monismo, e com essa fénix dirigirmo-nos ao sol como Ícaro, mergulhar no mais profundo abismo como Orpheu, entrar num mundo de trevas como o de Perséfone, constantemente em mudança como Adónis, sempre com um objectivo bem determinado como Prometeu. Pelo caminho perdemos Eurídice e esquecemos a lição de Perseu, mas o que importa, se com Hegel a nossa fénix sempre renasce das cinzas? Tal como Teseu, devemos contudo levar connosco o bilhete de regresso: devemos ter a nossa Ariadne. Hegel apenas nos pede que coloquemos uns óculos que nos façam ver essas paisagens, que aceitemos as suas premissas, algumas tautológicas; depois a sua lógica será absolutamente coerente.

Esses óculos mostram que a mentira faz parte da verdade. Que aquilo que se torna algo, não é ainda, e portanto é um não-ser e, então, o não-ser é o mesmo que o ser e o nada é o mesmo que tudo (porque a realidade não é apenas o que é mas o que pode vir a ser). Só se avança pelo progresso para se regressar a um início onde tudo foi determinado. O Estado é a mais alta forma de racionalidade e de liberdade. Deus, o universo e o resto são apenas constituintes de um todo, o Tudo. Deus tem a necessidade de evoluir e de aperfeiçoamento e é essa a razão porque teve que se materializar em Cristo (porque a única coisa imutável não é Deus ou a verdade mas sim o próprio movimento). A História é a evolução do pensamento desse Tudo e tem como objectivo a consciência da liberdade no sentido em que liberdade significa obediência ao Estado. Podemos lutar e inclusive matar para tornar os homens mais racionais. Um senhor (os filósofos nunca são operários) vive mais alienado, i.e., afastado da realidade, do que um escravo. Eu sou a mesma coisa que a minha mãe. A matéria não é mais do que uma invenção da mente (estranha-se no entanto a sua subserviência para com o poder político do Kaiser, se tudo é apenas a fábrica da mente, uma posição de firmeza perante o Kaiser para manter a coerência daria uma maior verosimilhança à elaboração).

Existem sempre homens prontos a venerar a genialidade de um homem famoso por troca com o conteúdo da sua obra ou a sua relação com a verdade. Até homens muito inteligentes, como Hegel, podem estar errados no fundamental.

Desde que Platão repudiou o sentido de humor, parece ser condição intrínseca dos filósofos, com a possível excepção de Kirkegaard, serem secos e árduos ou abstractos e sarcásticos. Hegel era conhecido entre os colegas da faculdade como “o velhote”, devido à sua ausência de sentido de humor, à sua rigidez, ao seu modo de vestir. Mas de modo algum Hegel foi um ser abstracto, uma folha seca, como Kant. Hegel casou e teve filhos, exprimiu emoções fortes para com a sua irmã e a sua mulher, teve uma vida de sacrifício, um reconhecimento limitado e alcançado arduamente. Foi marcado pela tragédia e mergulhou a mente humana numa das mais fantásticas aventuras que a filosofia europeia proporciona. Ele representa bem o tipo europeu: uma vida marcada pelo estudo e pelo esforço, uma preparação extensa, ampla e sistemática, uma pulsão permanente para a acção.



 

O HOMEM E A CIRCUNSTÂNCIA

Conhecer um homem é conhecer a sua obra, mas como o próprio Hegel afirmaria, conhecer um homem é também conhecer a mente da sua época e, naturalmente, a sua circunstância: “Pretender saltar sobre a sua época é como pretender saltar sobre a própria sombra”, “A filosofia não é mais do que a captação da sua época pelo pensamento”. Não existe, portanto nenhum sistema filosófico válido para todas as épocas.

Hegel nasceu em Stuttgart. Aos três anos aprendeu a ler, aos 5 aprendeu latim, aos 7 entrou para o liceu, aos 8 leu os 18 volumes das obras completas de Shakespeare traduzidas em alemão. Durante o liceu traduziu do grego a Antígona de Sófocles, leu o Novo Testamento e a Ilíada em grego, bem como Platão, Sócrates, Cícero, Homero e Aristóteles. Leu em alemão a lógica de Wolf e as obras de Kant, Göthe e Schiller. Aprendeu, para além do latim e do grego, hebraico, francês e inglês. Este rapaz alto e franzino que gostava de jogar xadrez e cartas foi um dos maiores intelectuais da história europeia, embora talvez pagando o preço alto de não ter uma infância despreocupada, desocupada e feliz. Licenciado em Tübingen, mudou-se para Berna e depois para Frankfurt onde desenvolveu o seu trabalho sobre doutrina económica e política. Após a licenciatura leu Hobbes, Hume, Leibniz, Locke, Maquiavel, Montesquieu, Rousseau, Espinoza, Shaftesbury, Tucídides e Voltaire. Visitava regularmente Goethe a quem idolatrava: “Quando revejo o trajecto do meu desenvolvimento espiritual, vejo-o aparecer em todo o lado e gostaria de lhe pedir que me considere seu filho. A minha natureza interior recebeu de si o alimento e a força necessários para resistir às abstracções e fixou o seu rumo graças às suas imagens como se fossem faróis luminosos” - Hegel tinha 55 anos. Kant, Goethe, Espinosa e Rousseau seriam as suas maiores influências; sobretudo o monismo de Espinosa:

Espinosa, tal como Hegel, baseou a sua Ética (que é na verdade uma metafísica) num sistema de deduções lógicas euclidianas. Existe uma substância básica, da qual Deus, o universo, a mente e a matéria são apenas meros aspectos ou modos. Acreditava que pelo mero uso da razão se podia chegar à verdade absoluta e não considerava, como Hegel, que o erro estivesse fora da verdade, se lhe opusesse ou a ameaçasse. Esta concepção monista na verdade não era nova: ela remontava a Zenão de Eleia, a Parménides e a Heráclito. Também se encontra em Plotino: “tudo deriva do Um”. É panteísta ou panenteísta e determinista. O monismo divide-se em duas versões, o monismo idealista que afirma que tudo é apenas mente, como Hegel, e o monismo materialista que afirma que tudo é apenas matéria, como Marx.

 

Os acontecimentos mais marcantes na época de Hegel foram a independência americana (1776); a revolução industrial - primeiro tear mecânico em Inglaterra (1775); a Revolução Francesa (1789), tinha 19 anos, o Reino do Terror (9 Termidor em 1794), Napoleão imperador (1804-1815); os Estados Unidos como país de costa a costa (1831). Hegel era um admirador incondicional da Revolução Francesa: “Nunca, desde que o sol está no céu e os planetas giram em torno dele, se tinha percebido que a existência do homem está centrada na sua cabeça, ou seja, no seu pensamento, que o inspira na construção do mundo da realidade…Nunca até agora o homem tinha reconhecido o princípio de que o pensamento deve governar a realidade espiritual.” A ele se atribui a expressão de que a Idade Média é “uma agitada, longa e terrível noite” que termina com o Renascimento, “esse clarão da aurora que após longas tempestades anuncia a vinda de um dia lindo e ensolarado.”

Esta confiança não esmoreceu quando Napoleão derrotou a Prússia em Iena. No dia anterior a entregar a Fenomenologia do Espírito ao editor, em 1807, escreveria: “Eu vi o Imperador – essa alma do mundo – um homem que concentrado numa questão particular, aqui sobre um cavalo, alcança o mundo e o domina.” Quando em 1814 Napoleão foi vencido, Hegel afirmaria que “um génio grandioso foi destruído pela mediocridade.” Decerto se referia àquele tipo de mediocridade que construiu o maior império que a Terra já conheceu, onde o sol nunca se punha, e cuja língua se tornou o veículo mundial de comunicação. Quando a Revolução Francesa “fracassou”, com o emergir do Reino do Terror, Hegel considerou-a “um fracasso glorioso”. No entanto, Hegel considera a Reforma, e não a Revolução Francesa nem o Renascimento, como o acontecimento chave desde o Império Romano, “esse sol que tudo ilumina no dia ensolarado que é a época moderna.”

Foram contemporâneos de Hegel, Schelling, seu amigo, com quem se licenciou em Tübingen e o poeta Hölderlin, seu colega de quarto durante todo o curso, que lhe arranjaria o seu primeiro emprego em Frankfurt como professor particular e que com Hegel tinha o ideal de uma religião popular, a Volksreligion, a religião da humanidade: “monoteísmo da razão e do coração, politeísmo da imaginação e da arte”; “Deus está aqui à nossa mão mas é difícil de apreender”, Höderlin, Patmos.


 

Em 1803, aos 33 anos, encontrava-se em Iena. Schelling escreve-lhe a dizer que o seu amigo mútuo Hölderlin estava com uma depressão e sem recursos financeiros. Pedia-lhe que o ajudasse financeiramente ou que lhe desse alojamento. Hegel respondeu a Schelling dizendo que Iena não era local para Höderlin e nunca mais o mencionou em toda a sua vida. O deus de Höderlin parecia estar demasiado perto e impor-lhe uma enorme carga. Höderlin colapsa; fechar-se-ia progressivamente em si próprio e acabaria os últimos 30 anos da sua vida como esquizofrénico catatónico, sendo tratado por uma família devota em Tübingen. Hegel referiria: “A minha filosofia inclui o princípio esquizofrénico de auto-divisão, negação, contradição, para obter a reconciliação e harmonia, como propunha Höderlin”. Hegel compreendia o rumo esquizofrénico que a filosofia alemã tinha tomado com Kant: a cisão entre sujeito e objecto efectuava-se dentro do sujeito e a forma em que são descritas as faculdades humanas nas três críticas de Kant não fazem mais do que aprofundar a cisão entre conhecimento e liberdade. Heinrich Heine afirmaria: “o ideal da revolução francesa cumpre-se na filosofia alemã. Kant é o nosso Robespierre”. Kant aplicaria as ciências empíricas às categorias (dedução transcendental) – o idealismo transcendental; Hegel aplicaria a lógica, a ontologia, a moral e a religião às suas categorias do ser, todo o saber humano confinado a um sistema – é o idealismo absoluto.

A tragédia e a morte acompanharam Hegel por toda a sua vida, tanto quanto a exaltação e o fervor da mudança. Teve quatro irmãos que morreram pouco após o nascimento, quando Hegel tinha um, quatro, sete e nove anos de vida. Aos 42 anos faleceu o seu irmão mais novo, em combate pelas tropas napoleónicas na campanha russa. Aos 37 anos, em Iena, engravidou a filha do seu senhorio, com quem não tinha a mínima intenção de casar, tendo nascido um filho ilegítimo que se juntaria à família de Hegel mais tarde, por morte de sua mãe. Abandonaria a casa de Hegel um pouco mais tarde, pelos 19 anos, após recusa da família em suportar financeiramente a licenciatura em medicina que ambicionava, tendo falecido aos 24 anos na Indonésia, como voluntário no exército holandês.

 

 

DE IENA A BERLIM

 

De Iena, mudou-se para Bamberg onde foi director de um jornal católico (!), o Bamberger Zeitung. De Bamberg mudou-se para Nuremberga e aos 38 anos foi dirigir um liceu que ainda hoje existe em Nuremberga, o Melanchton Gymnasium. É aqui que publica, de 1812 a 1816, a Ciência da Lógica. A sua condição económica era modesta e todas estas mudanças se destinavam a assegurar a sobrevivência. Do ponto de vista do mundo da filosofia, era praticamente um desconhecido e eram Fichte e Schelling os filósofos mais populares na Alemanha. Casou aos 41 anos com a filha do Presidente da Câmara de Nuremberga, Maria Helena Susanna von Tücker. Deste casamento remediado mas feliz, nasceram uma filha, que morreu pouco após o parto, e dois filhos que seguiram rumos muito diferentes dos de seu pai: um tornou-se professor de história medieval e o outro tornou-se membro do partido ortodoxo (conservador). Após o seu casamento, a sua irmã, viria a desenvolver um profundo ciúme por sua cunhada por alimentar uma fantasia incestuosa pelo irmão e viria a ser internada num asilo psiquiátrico, por doença conversiva ou neurose. Suicidar-se-ia, por afogamento, 3 meses após a morte de Hegel, em 1831. Aos 46 anos (1816) recebe finalmente uma cátedra em Heidelberg e é aqui que publica a sua Enciclopédia dos Estudos Filosóficos que trata da filosofia política e da filosofia do direito. Dois anos depois sucederia a Fichte como professor de filosofia em Berlim, onde só em 1820 (2 anos depois) alcançaria uma posição económica mais desafogada.

 

Hegel foi convidado para Berlim graças aos ofícios de um novo ministro da educação, saúde e religião, o barão von Altenstein, muito amigo do influente Wilhelm von Humboldt. Altenstein e Humboldt constituíam com Hegel a chamada terceira via e esperavam o seu apoio incondicional. De um lado os conservadores, associados à propriedade da terra e aos baronetes, que encontravam o seu maior apoio no futuro kaiser Frederick Wilhem IV e de outro lado encontravam-se os “democratas” que misturavam democracia directa com individualismo, xenofobia com nacionalismo, romantismo com anarquia. Eram românticos e opunham-se à mudança mais racional da universidade. A terceira via defendia que a sociedade deveria ser controlada e reformada por cima, a partir de uma elite racionalista simpatizante dos ideais da revolução francesa, constituída por uma elite de nobres e burgueses cultos – era a marca das sociedades secretas jacobinas com quem se manteve sempre em contacto estreito. Foi esse também o eixo de acção de Napoleão. A sua descrição pessoal da Fenomenologia atesta o seu carácter iniciático: “é um guia para principiantes”, “uma escada pela qual se pode ascender”, “uma escada helicoidal”, “leva à ciência do conhecimento absoluto”, “são círculos dentro de círculos”, “o iniciado deve estar muito decidido para poder avançar por ela”, “o indivíduo particular tem que percorrer, quanto ao seu conteúdo, o caminho já percorrido pelo espírito”.

A posição de Hegel em Berlim nunca seria de um poder incontestado, ou sequer de rei da filosofia; por exemplo, nunca entraria para a Academia Real das Ciências devido à oposição de Schleiermacher e Savigny, dois elementos da ala conservadora. Em 1829, aos 59 anos, seria eleito reitor da hoje chamada Humboldt Universität em Berlim. Raramente era convidado para a corte; uma dessas raras ocasiões ocorreria em 1831, a convite do príncipe herdeiro, Friedrich Wilhelm. Durante o jantar, o próprio príncipe atacou directamente a filosofia de Hegel, sobretudo a Filosofia do Direito, pelo seu carácter republicano e liberal. Como era o seu assistente, Eduard Gans, quem dava as aulas, Hegel afirmou que não tinha conhecimento do conteúdo das aulas da sua própria cadeira, remetendo a Gans a responsabilidade plena e exclusiva de tal conteúdo. Foi a sua última traição. Morreria de cólera nesse mesmo ano de 1831, apenas dois anos após a sua nomeação para Reitor, durante a noite, e conta-se que terá exclamado: “Es ist so!”, “É assim!”. Terá finalmente encontrado…

 

Seria a utilização do seu trabalho por Marx, substituindo a sua caracterização do absoluto por uma de natureza económica materialista, utilizando a sua noção de trabalho alienado, o mecanicismo histórico, a dialéctica, a necessidade da violência para o progresso, que o tornariam mais conhecido. A sua filosofia também foi utilizada pelos socialistas étnicos e nacionalistas (nazis), nomeadamente a noção de que o povo alemão representava o culminar da evolução histórica, e pelos socialistas internacionalistas (comunistas), nomeadamente a noção de alienação e do valor social do trabalho. A divisão dos seus sucessores entre “hegelianos de direita” e “hegelianos de esquerda” parece, sinceramente, puro artifício, ou a mesma mulher observada com dois vestidos diferentes. A chamada Escola de Frankfurt, com Georg Lukács, Herbert Marcuse, Theodor Adorno, Ernst Blöch, etc., representou o renascimento do pensamento de Hegel, qual fénix renascida das cinzas, quer na sua noção de perspectiva histórica, quer pela sua lógica, o método dialéctico.

 
 
António Campos