quinta-feira, 25 de julho de 2013

Férias com Chesterton



   Verão é tempo de férias.


   De descansar do trabalho, de relaxar, de recuperar forças. E de aproveitar também para pôr
leituras em dia ou reler obras já esquecidas mas que, na altura, nos deram imenso prazer e que levámos pela mão para a praia ou o campo, ou simplesmente para a esplanada do café habitual, para com elas conversar como se fossem costumeiros e velhos amigos.

   É sempre bom termos um livro para ler como um amigo com quem conversar. Por vezes vêm à baila conversas antigas, quase esquecidas, mas que nos lembram dias e horas em que o tempo desaparecia furtivamente sem dele darmos conta, tão entretidos estávamos então a falar com as páginas de esse livro, que se viravam e reviravam por entre os dedos, num ritmo veloz que só parava na última e derradeira página. Absorvidos pela leitura, só tínhamos olhos para as palavras que líamos, as frases que nos saltavam à vista, as imagens e as ideias que começavam a povoar a nossa imaginação. Quantos de esses livros lidos nas férias merecem voltar ao nosso convívio, seguir, bem guardados na nossa mala de viagem, à espera de lhe pegar e sorrir de novo, antes de lhe afagar o rosto e as páginas!


   Mas eis que alguns, na escolha de estes livros, são facilmente levados pelas indicações de sábios da Natura que, pomposos, recomendam como leitura obrigatória, em tempo de lazer, muitas e abundantes obras, sobretudo de escritores da moda, antes que os mesmos passem, inevitavelmente, de moda. Outros, com ar sisudo, inventam mesmo um inquérito – que se repete ano sim, ano não -, sobre as dez obras que, num suposto naufrágio, levariam para uma ilha deserta. E lá vêm dez magníficas obras-primas, daquelas que toda a gente cita e quase ninguém lê, mas que dão a quem delas fala um ar marcadamente sábio e culto, a que só faltam as longas e brancas barbas e os óculos a escorregar na ponta do nariz. Também fizeram um dia esse estafado inquérito a G. K. Chesterton. Ao que ele respondeu que se estivesse numa ilha deserta não precisava de dez livros mas apenas de um: Faça você mesmo um barco.

     E é com Chesterton que vamos passar férias. Levando na nossa bagagem não um, mas todos os livros do famoso Padre Brown: A inocência do Padre Brown, A incredulidade do Padre Brown, O segredo do Padre Brown, A argúcia do Padre Brown, O escândalo do Padre Brown. E digo todos, porque a sua leitura acaba por ser, de certo modo, viciante, e, se não os levarmos todos, ficaremos um pouco desasados quando acabarmos o primeiro ou o segundo. Mais vale, por isso, ter, neste caso, material de leitura por excesso do que por defeito.

   Aproveitamos, assim, para com o Padre Brown visitar as costas de Cornwall e de Norfolk, dar um salto a Paris, ir à Escócia, mais propriamente a Glasgow, e entrar, na companhia de Flambeau, no estranho castelo de Glengyle. Com o nosso detective-sacerdote percorrer uma belíssima cidade italiana do Mediterrâneo e de conhecer a cidade e o estado fictício de Heiligwaldenstein, que lembra, pela sua traça urbana, usos, costumes e língua, um pedaço da velha Germânia. Daí, dar um salto – grande salto – para a costa norte da América do Sul, seguindo depois para o Midwest americano, não deixando, naturalmente, de visitar uma prisão da cosmopolita cidade de Chicago, pois o seu capelão não é outro senão o nosso querido Padre Brown. 


Para aqueles que nele apenas viam uma personagem tirada do discreto sacerdote católico de Yorkshire, o Padre John O’Connor, têm aqui um simpático cicerone que nos ajuda a percorrer o mundo exterior, da Europa à América, e o mundo interior, da tentação e do crime, do pecado e da queda. Mas também do arrependimento e do perdão, como é o caso do ladrão Flambeau, que afinal se transforma num dos seus melhores amigos.

     Estes policiais, que tanta influência tiveram na literatura do género no século passado e continuam a ter nos tempos que ora correm, ultrapassam, em muito, os vulgares romances policiais, mesmo o de autores consagrados. E não é, como é por demais evidente, por a sua figura cimeira ser um sacerdote católico na anglicana Inglaterra. É que as suas histórias, maravilhosamente construídas, estão repletas de alegorias que, quase sem darmos conta, penetram, não apenas no nosso espírito, mas sobretudo no âmago da nossa alma. Nelas perpassa a famosa teologia do assombro, isto é, a profunda alegria por estar vivo, e a filosofia tomista do senso comum. Também, por isso, são leitura que colhe bons frutos neste Ano da Fé.

     Sendo assim, não sejamos gulosos quando acabarmos a sua leitura. Deixemo-los a algum familiar ou amigo para que também ele possa viajar com Chesterton e passar férias em tão agradável quão divertida companhia.






António Leite da Costa 

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