quarta-feira, 8 de maio de 2013

CHESTERTON VISTO POR H. BELLOC


Hilaire Belloc foi um escritor britânico de origem francesa que conviveu e colaborou durante muitos anos com Chesterton, de tal modo que George Bernard Shaw cunhou mesmo o
 vocábulo “Chesterbelloc” para caracterizar essa estreita e profunda ligação cultural e literária. Tendo nascido nos arredores de Paris, em La Celle-Saint Cloud, a 27 de Julho de 1870, filho de pai francês e de mãe inglesa, convertida ao catolicismo, fez, após a morte de seu pai, toda a sua superior educação em Inglaterra, primeiro na Oratory School, em Birmingham, onde recebeu influência do Beato J. H. Newman, e mais tarde em Oxford, no Balliol College, onde se licenciou em História. Aluno brilhante, o facto de ser católico não lhe garantiu o acesso a uma cátedra, como seria normal se fosse anglicano.


     Escritor multifacetado foi, sobretudo, poeta, historiador, ensaísta, crítico literário e jornalista. Fundou com G. K. Chesterton o semanário Eye Witness em 1911. E quer através de jornais ou revistas, quer por meio de livros, debates e discursos, exerceram ambos notável influência no meio cultural e na sociedade inglesa da primeira metade do século vinte. Algumas das suas obras continuam a ser reeditadas – excepto em Portugal, onde a sua presença é escassa -, sempre com proveito de leitores interessados e cultos e garantido êxito editorial. Fiel a uma amizade que o marcou para sempre foi, sem dúvida, não só um dos melhores amigos de G. K. Chesterton, mas talvez quem melhor o conheceu, não apenas através da sua obra mas também pelo convívio continuado e fraterno. Faleceu a 16 de Julho de 1953, em Guildford, Surrey, embora a partir de 1941 tivesse tido graves problemas de saúde que o levaram a viver retirado de tudo e de todos.
     Hilaire Belloc faz uma análise lúcida e coerente da obra de Chesterton num texto que serviu de prólogo a um volume publicado em 1933 – The glass walking stick and other essays - do autor de Ortodoxia e que recolhe, ainda em vida, vários dos seus ensaios. Tem como título Lugar de G. K. Chesterton nas letras inglesas e nele H. Belloc sintetiza as principais características culturais da obra de Chesterton em seis pontos.

     No primeiro, considera que o aspecto dominante de Chesterton, como escritor e como homem, é “ que era nacional”. O carácter nacional da obra de este escritor e pensador inglês radica, precisamente, no facto de, como nos diz, Chesterton ser “nacional em si mesmo”, pois “seguir o seu pensamento e a sua obra é uma introdução à alma inglesa. É um espelho de Inglaterra, e é particularmente inglês no seu método de pensar, como é a sua visão das coisas e dos homens.” E conclui, de forma certeira: “Escreve com acento inglês.”

     A segunda questão que realça é o sentido que Chesterton revela com o rigor e a qualidade de argumentação, que desenvolve nos seus escritos ou esgrime, com grande elegância, nos seus debates e discursos. Uma precisão de linguagem e um rigor de pensamento que, sublinha, foram outrora apanágio dos ingleses mas estão hoje arredadas das suas preocupações quotidianas. Também entre nós ganham os sofismas amplo direito de cidadania, servindo para confundir os incautos e enganar os inocentes. A boa lógica desapareceu da argumentação escrita e oral e a falta de rigor tornou-se a norma que corrói e destrói todas as normas.

     O terceiro rasgo, como lhe chama H. Belloc, é a singular capacidade de utilizar o paradoxo, com que iluminava e explicava a realidade, através de comparações. Considera-a mesmo a arma peculiar do génio de Chesterton, embora elucide claramente o leitor sobre o verdadeiro significado de paradoxo que não é, de modo nenhum, um mero artifício de linguagem que busca deliberadamente espantar o leitor através de uma contradição artificiosa. É a iluminação de uma realidade concreta mediante uma justaposição inesperada e que melhor a esclarece. Não é um simples jogo verbal. Não pode, por isso, ser considerado como fruto de um verbalismo oco e sem sentido. Pelo contrário. Foi uma das suas características fundamentais que ninguém, até hoje, conseguiu imitar e é o elemento mais forte da sua maneira de escrever e de pensar, como marca pessoal da sua excepcional agudeza de engenho e capacidade de raciocínio.
No quarto ponto salienta a fundamentação histórica com que envolve todos os seus trabalhos, sem descurar também a visão sólida e profunda que tem do próprio ambiente literário em que se movimentam os seus estudos. O conhecimento que tinha da literatura inglesa permitiu-lhe deixar-nos importantes ensaios nesta área e cuja finura de análise assombra ainda hoje muitos conceituados especialistas. As páginas que dedicou a Charles Dickens são, entre outras, uma prova evidente de esta afirmação.

     O quinto aspecto que constitui para todos nós um exemplo a prosseguir é a caridade. O amor que tinha pelo próximo levava-o a perceber o correcto sentido da caridade cristã. Encarava a controvérsia – que era para si um autêntico deleite, uma alegria imensa – nunca como um conflito ou como se de uma dura batalha se tratasse. Ao invés, via-a como um modo de apreciar a riqueza de pensamento, o rigor de raciocínio, a busca da verdade, mas também uma maneira de respeitar e, mais do que isso, admirar o próprio antagonista, o adversário com quem esgrimia argumentos mas com quem sempre se reconciliava fraternalmente no final do debate.

     E, finalmente, diz-nos H. Belloc, toda a substância da sua vida e da sua obra se resume numa simples frase: a aceitação da sua fé. Foi católico antes de se converter; converteu muitos depois de receber o baptismo. Nunca cedeu à tentação de esconder a sua fé, num país e numa época em que ser “papista” era um insulto ou, pelo menos, motivo de desprezo.

     É esta imagem que o seu amigo Hilaire Belloc nos deixa e que, creio, corresponde por inteiro à figura cimeira da cultura inglesa, da cultura europeia, da cultura católica, não apenas do século passado mas cada vez mais de este século que tanto precisa de intelectuais católicos que não tenham medo de procurar a verdade e de a proclamar com a argúcia e o humor de G. K. Chesterton.





   ANTÓNIO LEITE  DA  COSTA

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