sexta-feira, 29 de março de 2013

O Tédio e o Regresso a Casa - Homesick at Home and Homecoming


A parábola do filho pródigo, Lucas 15:11-32, aponta-nos a primeira e fundamental via de regresso a casa: a misericórdia. Só ao perdoar os outros podemos obter o perdão para nós próprios. A ela voltaremos no final a propósito do Natal, Ramos e Páscoa. O que ela também nos indica, na sua parte inicial, tal como na questão da Queda, Gen 3, é que muitas vezes abandonamos o nosso lar, afastamo-nos, deambulamos e, finalmente, regressamos a casa. Em suma, a idolatria do eu, uma separação unilateral, a angústia da solidão e a ânsia pelo regresso a casa, para, como diz Scruton, obter consolação.

A doutrina da queda é, nas palavras de Chesterton, a mais saudável das doutrinas: ela admite a possibilidade de emendar decisões que decorrem da vontade humana, afirma o livre-arbítrio, a responsabilidade humana, o juízo sobre ela, a possibilidade do perdão dos homens e do perdão de Deus. A queda não resultou da falta de obediência ipso facto, mas por algo de mais grave: a traição do Amor. Não se partilha o amor sem confiança e nada há de pior para acabar com essa comunhão do que a traição. Por isso a desobediência se tornou tão grave: a impossibilidade de comunhão no Amor de Deus. A questão do pecado original não reside primariamente na desobediência, mas sim na desconfiança e traição. É tão óbvio que qualquer relação entre duas pessoas assenta no mesmo pressuposto. Por isso, Jesus Cristo, mais tarde, num outro jardim, esteve perante uma situação análoga, mais dramática e deu uma resposta radicalmente diferente que mudaria o curso da humanidade e do mundo.

“Nós esquecemo-nos de quem realmente somos. Tudo o que chamamos racionalidade, sentido prático e positivismo, apenas significa que em certos períodos mortos da nossa vida, nos esquecemos que tínhamos esquecido. 
Aquilo a que chamamos espírito, arte e êxtase, apenas significa que num raro momento de felicidade, voltámos a lembrar-nos que tínhamos esquecido. 
A Queda significa que o que quer que eu seja, não sou eu próprio. Este é o primeiro paradoxo da nossa religião; algo que nunca compreendemos em toda a sua profundidade: nós somos em verdade não só melhor do que somos, mas ainda mais naturais do que aquilo que somos. A felicidade não é apenas uma esperança, mas de certo modo, uma memória: a de que somos reis em exílio.” All Things Considered, 1908.


Chesterton diz que nós fizemos mau uso de um mundo bom; não fomos apenas mergulhados num mundo mau. Fizemos um mau uso da vontade, e, portanto, declara que esse mau uso pode ser corrigido pelo uso adequado da vontade. O que se passa no nosso tempo com o aquecimento global e o envenenamento do planeta é, também, a tradução desta metáfora. “Todas as crenças, excepto esta, de alguma maneira se tornam reféns do destino. Um homem que tenha esta visão da vida vê a luz sobre uma série de coisas” All Things Considered, 1908.

Mas o afastamento e o regresso a casa também se aplica ao que Chesterton designou como “Homesick at home”: O caminho mais curto para regressar a casa por vezes não é permanecer quieto, mas dar a volta ao mundo e regressar a casa como referido em Manalive, 1912  e em The Coloured Lands, ed. post., 1938. O homem que vive com a mulher e os filhos vários anos e que nem neles repara. Tinha-se tornado mais distante e egocêntrico sempre na ânsia de algo diferente todos os dias. Então um dia resolve conhecer mundo e encontrar um lar onde não morra de tédio. Passam vários anos e, finalmente, após dar uma volta ao mundo, de ter uma miríade de empregos e trabalhar em outras tantas cidades, regressa a casa, numa tarde solarenga de Verão e repara na sua mulher, em quem dantes mal reparava, a deitar água numa jarra. Finalmente teve olhos para reparar na beleza da sua mulher, dos seus filhos e do local onde vivia, uma quinta atravessada por um rio.







Belloc por seu lado especula sobre uma experiência que é a sua; sobre como quem nasce no seio da Igreja Católica, frequentemente tem uma experiência similar de reconversão. Em matéria de fé, se entendida como um presente, ela tem que ser aceite de livre vontade, como qualquer presente. Desse modo permitimos que a fé, na sua inteligibilidade própria, fale connosco. “Aqueles nascidos na Fé, frequentemente passam por uma experiência de cepticismo na juventude, por vezes durante anos. É um fenómeno comum...alguns nunca retornam. Mas é um fenómeno muito frequente – e é a isto que eu me refiro – que muitos para quem o cepticismo foi um apelo muito forte durante a juventude descubram, pela experiência da vida e pela constatação da realidade nas suas diversas formas, que as verdades transcendentes que são ensinadas na infância, mantêm a sua validade integral perante a razão mais madura.”


 A segunda “conversão” para Belloc, consiste na constatação de que as alternativas propostas pelos cépticos não fazem tanto sentido como aquelas que são aprendidas na infância e que, de repente, nós as adoptamos, aprendemos e com elas queremos viver. Belloc sublinha assim os diversos tipos de convertidos que chegam à Igreja de todos os tipos de proveniência. Encontramos o cínico e o sentimental, o tolo e o sensato, o que duvida e o que não se interroga o suficiente. Mais: encontramos pessoas a entrar na Igreja vindas de todo o tipo de experiências e nacionalidades. “Passa-se a entrada da Igreja Católica sem dúvida pelo espectáculo, admiração e imitação do seu grande carácter. No dia seguinte, passa-se a entrada da Igreja Católica vindo da solidão absoluta, e fica-se surpreendido por encontrar o convertido ainda ignorante da missa e do grande efeito católico no carácter.”


Belloc sublinha uma frase famosa, já exprimida também pelo seu amigo Chesterton: “A Igreja é o lar natural do Espírito Humano”. Esta é uma expressão brilhante e paradoxal, uma vez que a Igreja não é uma casa de habitação. A menos que o nosso espírito consista em algo que não é natural, da natureza física. Essa multitude de portas de entrada na Igreja Católica, “tantas como há pessoas” nas palavras de Ratzinger ou “dois homens não entram pela mesma porta” nas palavras de Chesterton, convergem porque apontam a uma única realidade. “É nesta convergência de testemunhas que nós encontramos uma das inumeráveis provas de que a nossa religião assenta numa base racional. A religião sobrenatural assenta numa base racional sólida" (Prefácio de Belloc a The Catholic Church and Conversion, Chesterton, 1927).


Quinta-feira Santa é o dia da instituição da eucaristia. Um Deus que se oferece em sacrifício a Si próprio. O sacerdote que nos lava os pés, o Deus que nos lava os pés.
Jejum, nenhum animal faz. Só os espíritos jejuam. Jejuar é concordar com Deus, afirmar que o homem não é apenas mais um animal.
Como dizia Chesterton, o pensamento dominante moderno condena jejuns e abstinências ocasionais, mas decreta jejuns perpétuos, como a proibição de fumar e de comer carne.






O bebé levantou os olhos, curioso,
E, timidamente, disse:
Uma influência no sentido da experiência
É produzida na mente moderna.



Eu sinto a vontade de deambular, para aprender
Pelo teste, experiência, sentido prático,
Que o fogo é quente e o oceano profundo,
E os lobos, carnívoros.

O meu cérebro exige complexidade,
O querubim com ceceio, chorou.
Eu olhei para ele, e disse apenas:
Vá em frente. O mundo é grande.
Uma lágrima rolou pelo seu bibe:
No entanto, da minha vida devem sumir
O amor simples do sol e da lua,
Os jogos antigos na relva;

Agora que volto para casa
Podiam estas coisas ser reencontradas?
Eu olhei para ele e disse apenas:
Vá em frente. O mundo é redondo.
Greybeards at Play (velhotes que brincam) – excerto de Envoy, Chesterton,1900



(nesta primeira conversa com os nossos amigos, Chesterton e Belloc, apontámos o paralelismo entre a relação do homem com o seu lar e com a Igreja – a decisão humana de sair e, eventualmente, de voltar a casa – sabe-se lá em que medida ela também influenciada pela presença de Deus no mundo. A segunda conversa incidirá sobre a decisão de Deus de levar o Homem de volta a casa e chamar-se-à Do Natal aos Ramos e dos Ramos à Páscoa)


António Campos
Anália do Carmo



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