domingo, 20 de janeiro de 2013

Chesterton e a Alegria



Uma das maiores e mais importantes facetas de Chesterton é a sua relação com a alegria.

Para Chesterton a alegria tem algumas variantes fundamentais, mas em que todas, basicamente, consistem na gratidão.

Uma dessas matizes é expressa na graça de ter nascido. Na sua Autobiografia escreve“… Eu inventei uma teoria básica e mística. Consistia no seguinte: a mera existência, reduzida aos seus limites primários, era suficientemente extraordinária e excitante. Qualquer coisa entusiasma comparado com nada…”. É incomparável a sua definição de sol como “Se um fogo fixo pairasse no ar para me aquecer ao longo de todo o dia”, no seu poema “By the Babe Unborn”.

Continua, na sua ânsia de perdurar a criança que existia em si, que existe em cada um de nós. Afirma ainda os limites de tudo: "tudo me é permitido em troca de um pouco que me é negado, como na história da Cinderela". Ou, confinar-se ao tapete da cama e imaginá-lo como uma prancha no mar que é o resto do chão do quarto. Esta ideia de permissão-restrição encontra-se na criança que segue apenas por certas zonas do passeio e não por outras, quando segue na rua com a sua mãe. É expresso na ideia da vedação ou limite: “Quando queremos remover uma vedação devemos questionar-nos sobre o motivo porque terá sido ali colocada. 
Defendi os sagrados limites do homem contra os poderes ilimitados do super-homem.”



Para Chesterton nós devemos ser alegres apenas pela existência, num “mínimo místico de gratidão”. Essa alegria enche o coração da maioria das crianças porque elas ainda são novas neste mundo, porque para elas o mundo é tão fascinante como o reino da fantasia. Ir de férias com os pais ou os irmãos é como ir com Alice para o País das Maravilhas ou com Suzanne para Narnia. Muitas vezes imaginamos mundos maravilhosos e não nos apercebemos da maravilha que é o nosso mundo.

Ou ainda sobre o seu livro de ilustrações e contos, “The Coloured Lands”, diz esperar sinceramente que todas as crianças venham a estragar o livro pintando as ilustrações.Eu queria fazê-lo, mas os editores não me deixaram. Mas usem cores fortes, lindas, maravilhosas, porque os meus sentimentos são assim."









A moral dos contos de fadas: os contos de fadas não dão à criança a noção do mal, do feio, do medo, pois estes já estão no mundo e a criança tem noção da sua existência desde o início. Os contos de fadas dizem que existe sempre um S. Jorge que mata o Dragão, a derrota do monstro. Instrui que os terrores ilimitados têm limite, de que existe algo no universo mais místico que a escuridão e mais forte que o medo.



De Tremendas Trivialidades, no conto O Anjo Vermelho, Ed Aletheia 2010: 
“Dei-me conta de existirem seres humanos crentes de que os contos de fadas são perniciosos para as crianças,…que é cruel contá-los às crianças porque as aterrorizam. Do mesmo modo poderia argumentar que é cruel dar novelas romanescas às raparigas porque as fazem chorar…
A timidez da criança, ou a sua ansiedade, são inteiramente racionais; ela está alarmada com este mundo, porque o mundo é de facto um local alarmante. Desagrada-lhe estar sozinha, porque estar só é uma ideia realmente aterradora…Os contos de fadas não são, por isso, os responsáveis pela produção, nas crianças, de qualquer forma de medo; os contos de fadas não dão às crianças a ideia do mal nem do feio: essas ideias já estão na criança, uma vez que já estão no mundo. Os contos de fadas não dão à criança a ideia de fantasma. O que os contos de fadas dão à criança é a sua primeira ideia clara da possível vitória sobre o fantasma.

O bebé conhece intimamente o dragão, desde que tem imaginação. O que os contos de fadas lhe proporcionam é um S. Jorge capaz de matar esse dragão. 
O que os contos de fadas fazem é exactamente isto: acostumam a criança, por uma série de claras representações pictóricas, à ideia de que esses terrores ilimitados têm limites; de que esses inimigos informes têm eles próprios inimigos; de que esses inimigos infinitos do homem têm inimigos nos cavaleiros de Deus; de que existe algo no universo mais místico do que as trevas e mais forte do que o medo avassalador…Leia o conto mais horrível dos Irmãos Grimm - O rapaz sem medo - e verá o que quero dizer (existe um conto português chamado o João Soldado que tem grande analogia): trata-se de um conto em que as pernas de um homem caíram por uma chaminé abaixo e começaram a andar pela sala, após se reunirem aos outros segmentos do corpo que entretanto também tinham caído. O busílis da história não é o facto de ser aterradora, mas sim a particularidade de o herói não sentir medo disso…Se ainda não leu o final desse conto, vá e leia-o: é a coisa mais sábia deste mundo. O herói aprende finalmente a estremecer, ao escolher uma esposa que lhe atira para cima um balde de água fria. Nessa única frase há mais conteúdo acerca do significado do matrimónio do que em todos os livros sobre sexo que cobrem a Europa e a América.”




A mulher é outro tema de alegria. “Criticar-me por só ter casado uma vez é como criticar-me por só ter nascido uma vez”.


O desejo apaixonado de colocar o amor entre um homem e uma mulher em termos de Paraíso. A absoluta necessidade de se encontrar um sentido para a vida (Autobiografia, Ed Diel).

Schopenhauer imagina que as mulheres são as melhores encarregadas para cuidar das crianças, porque elas mesmas são "infantis, fúteis, limitadas"…É certamente estranho que o nome "filósofo" tenha sido dado a um literato - por mais brilhante que seja - capaz de defender a assombrosa ideia de que amamos aquilo a que nos assemelhamos. De facto, toda a teoria de Schopenhauer sobre a infantilidade das mulheres pode ser refutada com a mais simples e breve das respostas. Se as mulheres são infantis porque amam as crianças, então os homens são efeminados porque amam as mulheres.


Em “Os Disparates do Mundo”, Ed Diel: 
“Nada poderá algum dia superar essa enorme superioridade do sexo feminino que consiste em mesmo o descendente masculino nascer mais perto da mãe do que do pai. Ninguém que atente nesse tremendo privilégio da mulher pode acreditar, um instante sequer, na igualdade dos sexos…A carne e o espírito da feminilidade rodeiam a criança desde o nascimento como as quatro paredes da casa; até o mais insignificante ou o mais brutal dos homens foi feminizado pelo nascimento. O homem nascido de mulher tem os seus dias contados e cheios de misérias, mas ninguém pode medir a obscenidade e bestial tragédia que seria a herança do monstro homem nascido de homem."








Como adulto a alegria esteve sempre patente. Apreciava a boa comida e bebida. Fumava e era contra a cruzada anti-tabágica. Mas defendia limites; o tal tudo nos é permitido em troca de um pouco que nos é negado, isto é, não transformar o prazer associado às coisas elementares à vida em vício. “Devemos agradecer a Deus por cerveja e por vinho Burgundy, evitando beber em excesso.” Conclui que a maneira mais apropriada de expressar gratidão a essa entidade é cultivar humildade e discrição. “O homem livre tem controlo de si. Pode prejudicar-se pelo excesso de comida ou bebida, pelo vício do jogo. Se o fizer é um idiota, e possivelmente uma alma perdida; mas se ele não o puder fazer, não é mais livre do que um cão.”


Admirava os países do Sul, onde existem padres, e as pessoas se riem alto, cantam e dançam em festas e usam roupas garridas.


"É possível que Deus fale todas as manhãs para o sol: 'Brilhe de novo'; e todas as noites, à lua: 'Saia mais uma vez'... É possível que ele tenha o apetite insaciável de uma criança; pois nós humanos pecamos e envelhecemos, enquanto o nosso Pai é mais jovem do que nós". 
Passo a passo, Chesterton ajuda a renovar o apetite pela vida.


“Só o rico pode dar-se ao luxo de ser vadio. Para os não demasiado pobres, o lar é a única zona de liberdade ou, melhor, o único território anárquico. Em casa pode comer as refeições no chão, se isso lhe der na real gana. Eu faço isso muitas vezes – dá uma curiosa, infantil, poética e campestre sensação. Encontraria as maiores dificuldades se o tentasse fazer numa casa de chá…Para o homem simples, trabalhador activo, a casa é o único pedaço de terra livre num mundo de regulamentos e trabalhos forçados…A classe culta grita para que a tirem de lares decentes, enquanto a classe proletária uiva para que a deixem entrar.” – in Os Disparates do Mundo.





 Mesmo na sua crítica à plutocracia e ao capitalismo usa de um humor alegre: “Um carteirista é um campeão da empresa privada, mas é exagero considerá-lo campeão da propriedade privada", The Outline of Sanity, 1927. "Antigamente um usurário lançava a sua rede sobre uma aldeia, hoje lança-a sobre seis nações. A plutocracia é o contrário da democracia porque transforma o parlamento no governo secreto dos ricos. A plutocracia por não ter uma base filosófica nem moral é um sucesso, mas um sucesso grosseiro”, Autobiografia, Ed Diel, Lisboa 2009.

Ainda sobre o capital na sua elegia ao distributismo baseado na doutrina social da Igreja: “O dinheiro é como o estrume. Quanto mais espalhado, melhor”.
Defende a propriedade privada para aqueles que nada têm. Defende a pequena propriedade e, com humor critica o capitalismo e o socialismo porque originam a pobreza. O primeiro, ao concentrar o capital: “O capitalismo é um sistema em que quase ninguém possui”. O segundo, ao suprimi-lo: “Os socialistas negam ao pobre o direito de ser remediado!”
O capitalismo apregoa a extensão dos negócios em detrimento da propriedade. O socialismo propõe-se acabar com os carteiristas ao suprimir as carteiras.



Na sua crítica ao socialismo e a Bernard Shaw, diz em “Hereges” que os socialistas não compreendem como a humanidade não abraça massivamente o ideal socialista, atribuindo tal facto à humanidade ser ignorante e não instruída, isto é, muito menos instruída do que aquela fracção da humanidade iluminada, os socialistas. Pelo que deveríamos, ao jeito de Nietzsche, deitar esta humanidade fora e aspirar a uma sua versão superior. O socialista portar-se-ia como uma ama que dá uma comida amarga ao bebé. Como o bebé persista em recusar a comida, a ama deita fora o bebé e fica com a comida…




Chesterton é a prova de que ser católico pode ser divertido, que discutir não é odiar mas respeitar os outros, que nos países católicos existe “fiesta”, que viver é bom, que temos a Quem dar graças pela vida, que “o mais feliz dos felizes é aquele que faz os outros felizes”, ou “o verdadeiro homem grande é aquele que faz todos os outros homens sentirem-se grandes!” 
O último embaixador inglês publicou uma carta no jornal Expresso em 2010, onde faz a apologia de algo semelhante e a associa gentilmente ao povo português: diz que o dinheiro não é tudo na vida e que comer um peixe com um simples copo de vinho no final de um dia de praia é um momento de felicidade; ou que respeitar as refeições em família é uma grande tradição; ou que integrar pais, avós e netos na família, assegurando o contacto geracional, é um sinal de grande sabedoria; que manter as festas populares e os seus arraias é algo de positivo; a tolerância e a curiosidade sobre o mundo. Ou ainda, como dizia Gustavo Corção no seu Lições de Abismo (Ed Set, Lisboa), “a última coisa que se aprende é a coisa mais importante da vida, a beleza de dar, a partilha.” Aliás, em Corção como em Chesterton, a metafísica e o eterno feminino, polvilhados de humor, são constantes. 
Dizem-nos que o fim último da vida é a excelência, mas eu suspeito, depois de consultar estes nossos amigos, que é ser feliz!



Diz Philip Yancey: “Quando viajo, pergunto às vezes às pessoas: "O que lhe vem à mente quando ouve a palavra cristão?" Normalmente elas respondem negativamente, descrevendo atitudes depreciativas, legalismo ou políticas ultraconservadoras. Como seria ótimo se nessa altura as pessoas se lembrassem de pessoas como Chesterton, pois ele não era nada assim. Para ele, o evangelho era de fato a boa-nova. Sempre que percebo que minha fé volta a correr o risco de se tornar árida, vou até à minha estante e apanho um livro de G. K. Chesterton. E assim começa de novo a aventura”.
"A obra de Chesterton é vastíssima e não contém uma só página que não ofereça uma felicidade." (Jorge Luís Borges)
"A influência de Chesterton será maior nas gerações ainda não nascidas do que entre os seus contemporâneos." (Sir Arthur Bryant)

António Campos
Anália Carmo

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